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quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Goóc

Sandálias guerreiras e sustentáveis

A trajetória perseverante de Thai Quang daria um ótimo roteiro de cinema. Aos 20 anos, o ex-refugiado político foi resgatado por um navio da Petrobras quando estava à deriva no mar. Quang desembarcou no Brasil sem falar uma palavra em português – e também desprovido de qualquer apoio do governo brasileiro. “Passei 6 meses comendo pão com mortadela de manhã e macarrão instantâneo de noite”, lembra.

Dedicado, Quang entrou no curso de matemática na USP e passou a vender as bolsas que havia recebido como pagamento de uma dívida na periferia. Seu grande click ocorreu em 2003. O empreendedor percebeu o potencial de um produto muito comum em seu país durante a Guerra do Vietnã: confeccionar sapatos com borracha de pneus e lonas vulcanizadas reaproveitadas. A idéia inovadora deu origem à Goóc, empresa de moda e vestuário que utiliza materiais reciclados como principal matéria-prima.

Empreendedor Endeavor desde 2006, Quang planeja alcançar a marca de 210 milhões de itens produzidos em 10 anos e abrir o capital da empresa, que ele carinhosamente chama de filha. Quang revela em entrevista exclusiva como sua história de vida foi decisiva para a estruturação de seu negócio.

Como foram seus primeiros anos no Brasil?
Quang - Eu não tive nenhum apoio oficial do governo quando cheguei ao Brasil, embora fosse refugiado político. Minha primeira grande vitória foi sair da minha terra, na época sob um regime comunista. Com ajuda de caridade, eu morei durante algum tempo em um albergue da igreja Nossa Senhora da Paz, no Glicério, em São Paulo. Não tinha parentes nem sabia o idioma, mas o mais importante era que eu tinha liberdade. O fato de eu ter facilidade de estudar e gostar de ler ajudou bastante. Para aprender o português, eu comprei um dicionário e o lia todo dia. Como faltava dinheiro para comida, eu passei 6 meses comendo pão com mortadela de manhã e macarrão instantâneo à noite. Aos finais de semana, eu comia fruta de feira. Nessa época, eu cheguei a pesar 49 kg, sendo que meu peso normal é 62, 63. A saudade me matava. Por mais que eu quisesse, não poderia mais voltar para o meu país.

Quando descobriu que tinha talento para abrir seu negócio?
Quang - Isso foi muito depois da minha chegada ao Brasil. Quando eu cheguei por aqui, meu sonho não era ser empreendedor. Meu primeiro objetivo era trabalhar em banco, um sonho de um jovem de 20 anos. Para chegar lá, eu entrei na Universidade de São Paulo (USP) pra cursar matemática. Foi aí que minha vida começou a melhorar. O ano de 89 foi muito ruim para as empresas. Eu morava com uma família e eles fabricavam bolsas no fundo do quintal da casa deles. Nesse ano, a empresa quebrou. Como eu tinha emprestado um dinheiro para o negócio, e eles não tinham como saldar a dívida em dinheiro, eu recebi o pagamento em bolsas. Foi então que eu tive que me forçar a sair na rua para vender o material que eu tinha em mãos.

Os conhecimentos adquiridos na faculdade ajudaram?
Quang - Demais. Eu descobri, por exemplo, que eles haviam acertado menos de 70% do valor devido. Eu teria de tirar o lucro das bolsas para não sair no prejuízo. Em uma semana, eu as vendi em lojas da periferia de São Paulo e tive um bom lucro. Então eu percebi que eu estava no caminho errado. Planejei sempre um futuro como executivo de uma grande empresa e, de repente, descobri que não era isso. A percepção fez com que parasse de trabalhar e de estudar: 15 dias depois, eu abri minha primeira empresa, que ainda não era a Goóc.

Após quanto tempo surgiu a Goóc?
Quang - A Goóc começou em 2003. Depois de 17 anos de trabalho, resolvi mudar e dar uma cara nova para a minha empresa. Eu queria levar ao consumidor um produto diferenciado, com conteúdo, pois a maioria deles não oferece nada além de estética. Agregar apenas esse valor faz com que o produto se torne muito vulnerável, pois são temporários e efêmeros. Nós temos valores melhores do que apenas o estético. Valores naturais, de bondade, resistência, perdão. Eles são muito úteis e as pessoas não os usam. Nosso produto, além de deixar a pessoa mais bonita, mais vaidosa, faz com que ela tenha mais conteúdo.

Quais foram as dificuldades do começo?
Quang - A primeira resistência que eu encontrei foi a minha família, especialmente a que eu deixei na Ásia. As famílias orientais criam laços muito fortes, são muito rígidas e as relações são complicadas. Eles não são tão zens como todo mundo pensa. Minha família não concordava com a minha atitude de lagar os estudos para abrir um negócio. É uma consciência da sociedade vietnamita. As pessoas precisam ter cultura, estudo ou a sociedade o verá com desdém. A sociedade condena o rico sem diploma. Minha família ficou 2 anos sem falar comigo, sem responder cartas, sem atender telefonemas, talvez como uma forma de punição. Mas depois que eu expliquei para eles, eles entenderam e hoje em dia nós temos um relacionamento normal.

Quais foram as principais mudanças em sua vida por causa do negócio?
Quang - É muito importante que os familiares sejam também preparados. A abertura da empresa fez com que eu trabalhasse aos sábados, domingos e de madrugada. Eu trabalhava muito, desenhava, cortava, levava para costurar na zona leste. Não tinha tempo nenhum. Além disso, qualquer lugar vazio da minha casa virava estoque. Não tinha nem lugar pra tomar banho. A vida de casado virou um inferno. Um dia, minha ex-mulher me deu um ultimato: ou eu parava ou ela ia embora. Como eu não parei, ela foi embora e levou a minha filha. Ficou 40 dias na casa da mãe, mas depois voltou e me ajudou bastante.

Pensou em desistir em algum momento?
Quang - Eu pensei em desistir uma vez. Pensei em desistir do Brasil, devido a alguns problemas particulares. Mas depois refleti e pensei nos meus funcionários, pois se eu saísse do país ou desistisse do negócio, eles ficariam sem emprego e eu não queria desamparar as pessoas que estavam me apoiando.

Quais foram suas estratégias para tornar os produtos da Goóc mais populares?
Quang - As pessoas costumam comprar produtos para melhorar a aparência física, a beleza, o conceito da estética em geral e usam esse conceito para vender cada vez mais. Eu, particularmente, não acho que o conceito seja a embalagem e sim, o conteúdo. O produto tem de servir como um meio para divulgar conceitos. E é essa idéia que diferencia nossa marca no mercado. Nossa promessa é de agregar conteúdo e não a vaidade. O conceito ultrapassa a classe social. Os nossos produtos levam uma mensagem de reforço moral, de conscientização, com uma idéia de originalidade agregada. Outra coisa é que nós conseguimos visibilidade no mercado por meio de uma entrevista que eu dei foi para um repórter da Revista Exame. Aliás, a Endeavor conheceu a Goóc por causa dela. Depois disso, o boca a boca nos ajudou muito.

Como se deu o processo de exportação dos produtos?
Quang - Nós costumamos participar de feiras de exportação e os clientes em potencial, quando conhecem o nosso produto, sabem que ele é diferente e tem qualidade para ir para outros países. Hoje, nós exportamos para Jamaica, Europa e Estados Unidos. O próximo objetivo é vender para a Austrália.

O que a Endeavor significa para sua vida?
Quang - Como em qualquer relacionamento, tenho minhas fases com a Endeavor. De qualquer forma, a presença da instituição é uma virada na minha vida profissional. Sempre nos ajudou muito, como num trabalho de reestruturação interna que estamos fazendo agora. Às vezes, a metodologia não é compatível com o que eu penso, porém, a direção e os desafios que eles propõem correspondem sempre com minhas expectativas.

Como a Endeavor tem ajudado nos processos da empresa?
Quang - Ela ajuda a mudar meu modelo mental. Eu tenho um jeito de pensar e a Endeavor tem outro. Outra coisa é que a Endeavor nos ajuda demais com a rede de relacionamento. Além disso, eles me ajudaram a cuidar da gestão. A empresa cresceu e eu percebi que tem algumas coisas que não estão do jeito que eu gostaria. Quero trabalhar bastante para organizar e manter os parâmetros para ter um crescimento muito mais forte ano que vem.

Alguns aspectos da cultura vietnamita o ajudaram?
Quang - A cultura me ajudou mais em relação ao trabalho. O vietnamita valoriza bastante a educação e o estudo e ninguém quer ser rotulado de rico burro. E, por isso, eu fui fazer o curso de Administração no Mackenzie. Daqui a uns 10 anos, eu gostaria de fazer um mestrado, um doutorado. Eu gosto muito de pesquisa e posso varar a madrugada lendo. Eu fiz um dicionário português-vietnamita com mais de 25.000 verbetes e foram mais de 800 horas de trabalho, quase 1 ano.

Quais são as principais preocupações socioambientais da Góoc?
Quang - Nós temos uma preocupação que vai além do socioambiental. Nossa empresa pode ser considerada eco-cultural. A idéia de reutilizar pneus e lonas vulcanizadas partiu de um costume das pessoas durante a Guerra do Vietnã. A falta de recursos fez com que as pessoas começassem a produzir seus próprios sapatos e roupas a partir desses materiais. Além disso, o Vietnã é um país muito pobre e as pessoas usam a criatividade para driblar a falta de recursos. E eu trouxe esse conceito ao Brasil. Pra mim, o mais importante é essa criatividade e, como conseqüência, a preocupação ambiental.

Quais são os planos futuros da empresa?
Quang - A primeira coisa agora é estabilizar a empresa para que ela possa crescer de maneira mais sustentável. E espero que, com ajuda da Endeavor, capacitar alguém para ajudar na administração da empresa. Assim, terei chance de continuar meus estudos e fazer as pesquisas que eu tanto quero.


Fonte: Instituto Empreender Endeavor




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